Para quem aprecia experimentar diferentes tecnologias, montar e configurar sistemas autônomos que operam sem depender da internet ou de provedores de serviço, participar da criação de uma infraestrutura física e descentralizada representa o auge do hobby tecnológico — e uma poderosa forma de aprendizado prático por meio da execução de projetos reais.
A facilidade de acesso a hardwares tem um impacto significativo na consciência tecnológica e na motivação dos jovens a se envolverem com as ciências da engenharia, estimulando a busca por soluções próprias no desenvolvimento tecnológico. O desejo de compreender a ciência e fazer parte da construção de soluções surge cedo, quando se tem contato com o fascinante universo das engenharias de infraestrutura.
Em uma busca realizada na internet em fevereiro de 2025, identifiquei mais de 1.170 projetos voltados à construção de infraestruturas descentralizadas. Um exemplo promissor é a rede LoRa. Nesse modelo, qualquer pessoa pode adquirir um hardware de baixo custo e, após configurá-lo, integrar-se a uma rede de comunicação totalmente independente — sem necessidade de conexão com a internet ou com operadoras de telefonia.
A proposta da rede LoRa (Long Range) é oferecer uma infraestrutura de comunicação sem fio de longo alcance, com baixo consumo de energia e baixa taxa de transmissão de dados. É especialmente indicada para aplicações de Internet das Coisas (IoT), além de servir como alternativa de comunicação em situações de falha da internet ou de redes móveis convencionais.
Como a rede LoRa é descentralizada, ela cresce e se torna mais robusta à medida que um número maior de pessoas adere ao projeto. Esse modelo favorece o surgimento de uma rede autônoma, sustentada coletivamente, de uso gratuito e sem mensalidades ou custos adicionais. Basta adquirir o hardware e ingressar na rede. A infraestrutura é de baixo custo, pois cada participante contribui com seu próprio equipamento, fortalecendo a rede como um todo.
Nos Estados Unidos, um residente pode montar seu kit básico de experimentos com LoRa por cerca de 30 dólares — um valor bastante acessível naquela região, algo que estimula a participação nesse tipo de prática e favorece o aprendizado tecnológico.
Com o surgimento das criptomoedas e da tecnologia blockchain, os entusiastas do hardware descentralizado ganharam um novo incentivo: a possibilidade de um modelo de negócio que gera renda extra por meio da participação na infraestrutura. Essa modalidade é conhecida como DePIN.
DePIN (Decentralized Physical Infrastructure Networks) é um modelo no qual infraestruturas físicas — como sensores, antenas, estações de carregamento, mineradores, redes Wi-Fi comunitárias, entre outras — são descentralizadas e, muitas vezes, operadas por indivíduos ou pequenos grupos, em vez de grandes corporações. Os participantes são remunerados com tokens por fornecerem infraestrutura útil à rede. O DePIN se assemelha em alguns aspectos ao modelo da rede LoRa, mas com o diferencial de oferecer retorno financeiro aos colaboradores.
No YouTube, ao buscar por "DePIN", é possível encontrar ótimos vídeos que explicam o conceito e as oportunidades desse modelo de negócio. Um exemplo é o projeto Helium, uma infraestrutura de rede descentralizada voltada para a Internet das Coisas (IoT). Nesse sistema, as pessoas que mantêm o hardware ativo na rede são recompensadas com um token chamado HNT, que pode ser convertido em dinheiro — como dólares, reais ou a moeda local do país onde a pessoa reside.
Basicamente, no projeto Helium, você adquire o hardware (Hotspot), o mantém em funcionamento e, em troca, recebe um token — gerando assim uma renda extra. No início do ano, já existiam 1.170 oportunidades relacionadas ao modelo DePIN. Nesse sentido, Helium é uma em mais de mil possibilidades.
No entanto, a possibilidade de obter renda extra com o DePIN depende diretamente do número de participantes ativos na rede, bem como do custo de entrada — ou seja, o valor do hardware necessário para integrar a infraestrutura. Se você reside no Brasil e está considerando ingressar em algum projeto DePIN, é importante avaliar com cautela a dura realidade econômica do país antes de investir.
O Brasil não é um grande produtor de hardware, o que obriga a importação — geralmente cotada em dólar — de boa parte dos componentes necessários para a construção de infraestruturas tecnológicas. Em 2025, o poder de compra do brasileiro é cerca de 16 vezes menor do que o de um residente nos Estados Unidos. Compreender essa dura realidade é essencial para avaliar com responsabilidade qualquer projeto DePIN antes de se envolver.
Em julho de 1994, o Plano Real, no intuito de controlar a hiperinflação e estabilizar a economia, colocou a moeda nacional em paridade com o dólar. Na época, o salário mínimo brasileiro era na faixa de 65,00 reais, enquanto o equivalente nos Estados Unidos ficava em torno de 731,00 dólares. Lembrando que Real e Dólar estavam bem próximos em valor.
Na época, um hardware de 35 dólares representava, em média, 15 dias de trabalho para um brasileiro, enquanto um residente nos Estados Unidos precisava de apenas um dia de trabalho para comprá-lo — isso sem considerar os impostos de importação então aplicados. Na prática, o esforço exigido de um brasileiro era cerca de 15 vezes maior.
Em 2025, o cenário melhorou. Mesmo com a cotação do dólar em R$ 5,48 e o salário mínimo em torno de R$ 1.518, um brasileiro precisa trabalhar cerca de 4 dias para adquirir um hardware de 35 dólares (sem impostos). Já nos Estados Unidos, esse mesmo equipamento equivale a cerca de 5 horas de trabalho. A diferença persiste, mas é significativamente menor do que no passado.
Na prática, quando se colocam na balança todos os custos envolvidos — como impostos, frete e trâmites com órgãos reguladores — a distância econômica se torna ainda mais evidente. Um hardware de 40 dólares pode chegar ao Brasil custando entre R$ 500 e R$ 1.000, a depender da tributação, do frete e da necessidade de certificações. Produtos com o selo da Anatel, por exemplo, tendem a ter um acréscimo significativo no preço final. Já itens sem essa certificação podem acarretar penalidades, como multas ou retenções alfandegárias, além de possíveis constrangimentos legais para o consumidor.
No cálculo final, mesmo com a melhora do salário brasileiro em relação a 1994, o esforço necessário para adquirir um hardware de 35 dólares ainda é significativamente maior no Brasil. Em 2025, isso representa entre 10 e 20 dias de trabalho, dependendo dos encargos e da informalidade do mercado. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o mesmo produto pode ser adquirido com cerca de 5 horas de trabalho.
Se você pretende estudar e praticar DePIN, entender a dura realidade brasileira é essencial para compreender o próprio movimento do hardware descentralizado. Atualmente, uma pessoa nos Estados Unidos pode adquirir um hardware de 35 dólares com cerca de 5 horas de trabalho. Em projetos iniciais, esse equipamento costuma gerar um retorno médio de 5 dólares por mês. Com isso, em aproximadamente 7 meses o investimento se paga, e o restante do tempo pode gerar lucro — ainda que modesto no início, com potencial de crescimento. Se tudo der errado, o prejuízo é mínimo: bastam 5 horas de trabalho para recuperar o valor investido.
No Brasil, o cenário é diferente. Adquirir o mesmo hardware pode demandar entre 10 a 20 dias de trabalho, com um custo final entre R$ 500 e R$ 1.000, considerando impostos, frete e regulamentações. Mantendo a mesma estimativa de retorno mensal — cerca de 5 dólares, ou aproximadamente R$ 30 — o prazo para recuperar o investimento varia de 17 a 34 meses. E se o projeto não der certo, o esforço para reverter o prejuízo será novamente de 10 a 20 dias de trabalho, o que torna o risco consideravelmente maior.
Essa diferença de esforço pode ser observada quando comparamos o número de adeptos do hardware descentralizado nos Estados Unidos e o número de participantes no Brasil. Isso precisa ser considerado uma vez que o projeto DePIN gera lucro proporcionalmente ao número de participantes na rede. Colocando em perspectiva que a tendência de evolução e adoção de projetos DePIN no Brasil é muito mais lenta que nos Estados Unidos. Um outro detalhe pertinente é que alguns projetos DePIN pagam menos para países como o Brasil, justamente por entenderem que a tendência é de baixa adesão.
Se você pretende participar de qualquer iniciativa inovadora que envolva a importação de hardware com a necessidade de participação de um número elevado de integrantes, é fundamental calcular todos os custos com precisão e avaliar a real viabilidade de retorno, em especial, se você é residente no Brasil. Muitos dos dados divulgados sobre os rendimentos em projetos DePIN, embora tecnicamente corretos, são baseados na realidade dos Estados Unidos, Europa e países de primeiro mundo, desconsiderando os desafios econômicos e logísticos enfrentados por brasileiros.
Projetos DePIN são empolgantes e oferecem uma excelente oportunidade de aprendizado prático, além de despertarem o entusiasmo por novas tecnologias. No entanto, sem uma compreensão clara dos desafios envolvidos — especialmente para quem está começando — podem gerar frustrações e expectativas irreais. Iniciar nessa modalidade com informação e cautela faz toda a diferença.
Não se deixe levar pela propaganda. Pesquise, estude e avalie com atenção. Só assim será possível fazer escolhas conscientes e sustentáveis.
Jeferson Silva - PU3OSI
Como sempre, com boas novidades tecnológicas! Grato por compartilhar, professor.
Grande abraço, tudo de bom por aí. ;-)